sábado, 12 de dezembro de 2009

Oito laranxa é R$ 1,00; laranxa é R$ 1,00; R$1,00

E fomos a Feira do Alecrim!!!


Marcamos de nos encontrar no Barracão as 9:30 da manhã - para a maioria do grupo ainda era madrugada. Quando conseguimos nos organizar pra sair já eram mais de 10h da manhã.
Relembramos os aspectos que deveríamos observar com mais atenção: características do ambiente, prosódia dos vendedores, olhar, forma de caminhar, pulsação, ações físicas e detalhes peculiares e grotescos dos vendedores.

Lista checada e mãos a obra! Assim chegamos no Alecrim e descemos do carro sentimos aquele calor maravilhoso aquecendo nossa pele. Literalmente nos torrando. Para compensar recebemos um presente maravilhoso: caminhando em direção a feira, avistamos uma banca com um senhor muito interessante que vendia o bilhete do jogo do bicho. Então ficamos por ali, observando o movimento. Depois marcamos um horário para nos reencontrarmos naquele mesmo lugar. Tivemos uma hora e meia para nos deleitarmos na imensa feira, cada um por si. Logo na entrada, tinha um vendedor de melancia que contava os problemas conjugais para os amigos feirantes e pra quem quisesse ouvir. Uma figura.

Eu vi de tudo! Até com meu tio eu encontrei! Gostaria de chamar atenção para dois momentos: uma quando eu vi um feirante com um rosto enrijecido numa expressão que lembra raiva, com sobrancelhas e lábios contraídos, cortando a cabeça de um bode. E a sua frente, na mesma mesa, uma criança tirando a pele dos restos da cabeça do bode. Várias vezes minha observação foi interrompida porque eu precisava sair pra respirar...
O outro momento foi quando tentaram me vender um mocotó e eu acabei conversando com o feirante que me explicou algumas coisa sobre as carnes; eu fiquei curiosa para saber o que era uma papinha vermelho escuro que estava dentro de um depósito branco e ele disse que era "o juízo do boi"... Visto o juízo, fui atrás do resto, vi de bucho a testículo. Os feirantes não desperdiçam nada.

Tive dificuldade de anotar todas as informações que gostaria porque quando eu os feirantes me viam mudavam de atitude achando que eu era turista... Teve uma mulher que perguntou se eu era argentina. Assim fica difícil!
Depois da feira, fomos almoçar e voltamos para o Barracão. Todo mundo contando o que tinha visto de interessante. E todo mundo ditado no tablado pedindo cama. Descansamos um tempinho e de repente chega Marco puxando todo mundo pra começar o trabalho - detalhe que depois do almoço ele tinha dito que estava "pregado" e do nada aparece cheio de energia. E lá fomos nós jogar vilão. Em dois tempos todo mundo estava pronto pra outra feira. E assim fomos para a música que aprendemos ontem "ÉÉÉÉÉ A Farsa da Boa Preguiça"... e depois começamos a trabalhar a cena do prólogo. César como Manoel Carpinteiro, Maisa como Miguel Arcanjo e Netto como Simão Pedro. Com três cases improvisamos o cenário. No meio e em cima do case mais alto César, o ator mais alto. A sua esquerda, Maisa; e a sua direita, Netto. Os pobres mortais ficaram no chão mesmo fazendo os camelôs que disputavam os personagens a medida em que Manoel Carpinteiro ia apresentando. Foi maravilhoso!!! Pela primeira vez vimos nosso feto. Depois de uma semana de trabalho, montar uma cena é concretizar toda a dedicação que tivemos ao espetáculo. É lindo ver que todo mundo está por inteiro no trabalho, com o foco para a construção e concretização de um objetivo.

Ter dois grupos de teatro juntos, estabelecer uma rotina de trabalho, com pessoas que pensam diferente e estão acostumadas com uma rotina diferente é realmente um grande desafio. E ver que tudo isso está se encaminhando e todos estão dando o seu melhor, é a prova de que estamos no caminho certo.

Paramos os trabalhos para fazer a avaliação da semana. Marco diz que sempre teve um desejo de dirigir musicalmente um novo grupo; Chris fala que gosta de trabalhar com imersão e que a vivência coletiva acelera o processo de montagem. Ela ressalta que o feirante quer vender a qualquer custo porque é daquela venda que ele sobrevive e isso faltou nos nosso workshops. 
Suellen fala que essa semana foi uma overdose e que todos estavam muito focados.
Talvez por isso o resultado dessa semana tenha superado as expectativas.

Fernando diz que começamos a tirar o material da gaveta e a partir de agora o desafio é como equilibrar a continuidade da pesquisa com a atividade pragmática de montar a cena.
O canal de comunicação entre os três diretores está fluindo. E lembra da nossa conquista de ter um dia-a dia como temos. Acho que isso é uma informação que passa despercebida quando estamos num processo como esse. E ela deve ser lembrada sempre porque nossa realidade é bem diferente da realidade de muitos grupos e somos privilegiados de poder trabalhar no que gostamos e nos dedicarmos a isso.

Por ultimo, gostaria de deixar registrado que César brilhantemente me encheu o saco durante toda a avaliação do dia porque ele era o ultimo a falar e porque todos estavam fazendo uma avaliação da semana inteira...

Camille Carvalho

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

ÉÉéé... A Farsa da Boa Preguiçaaaa



Barracão dos Clowns, 11 de dezembro de 2009, pouco mais de duas horas da tarde: ao som do “forrozão” do lava-jato que fica colado no Barracão, esperamos Maisa e Suellen que tiveram que ir com urgência a João Pessoa.


Diferente dos outros dias, Natal estava nublado e o clima mais ameno. Netto se agarrou com a sanfona e se pôs a treinar sua valsinha, enquanto Camille estava à mesa “entertida” na leitura da peça. O som fica mais alto ai(iiii)nda e se junta ao ruído ensurdecedor do aspirador de pó e da água que se choca contra a lataria dos carros sendo lavados no vizinho. É o jeito nos acostumarmos...

Assim que Netto largou a sanfona, eu corro para fazer a minha tentativa, entretanto, poucos minutos depois, César me entrega a zabumba, pega a sanfona, o Thardelly se chega com o triângulo e o Netto vem marcando a pulsação com o caxixi: montamos uma banda! Tá... A verdade é que nos divertimos muito no ritmo do baião, do xote e outros ritmos inventados.

As meninas chegam no instante em que iniciamos com o nosso ritual de todo dia: varrer o espaço de trabalho, passar o pano no chão onde nos alongamos, suamos, improvisamos e damos asas à nossa imaginação.

Depois da limpeza, em círculo, massageamos o corpo do vizinho para liberar as tensões e jogar para fora as energias negativas. Esse momento relaxante durou pouco, pois logo em seguida a Christina nos pegou e botou nossos corpos em ação utilizando uma bola que passávamos para o outro, primeiro dizendo o nome de quem receberia a bola, na sequência com uma bola imaginária, e por último recebendo a bola e jogando-a alterando o tamanho e o peso da mesma.

O segundo exercício do dia foi o de copiar a forma de andar de outra pessoa. A dinâmica utilizada consistiu na formação de uma fila, em que o primeiro propunha um andar natural e o próximo alterava a maneira, a intenção e o tamanho do movimento para assim distorcê-lo, de maneira que essa distorção deveria ocorrer gradativamente até que o último da fila estivesse no extremo do primeiro. Colocamos ações cotidianas para esse trabalho, que estimula a busca pelo grotesco ou pelo estereótipo a partir de um modelo real.

Retomamos o exercício do dia 09, em que projetávamos uma parte do corpo e mais a oposição desta, adicionando um bicho, para criar uma forma física ao Aderaldo, o ricaço, à Nevinha, a mulher do poeta Joaquim Simão, e à Andreza, um dos demônios que se disfarça de criada no primeiro ato. Brincamos com o corpo dos personagens partindo dessas projeções e escolhemos um objeto para ser manuseado por cada um. A cada experimentação de um personagem, fizemos uma demonstração de um por vez numa diagonal, mostrando aos demais o que foi experimentado e estimulados pela Chris a ir sempre em busca de mais, utilizando a introversão e extroversão, inclusive na máscara facial e criando uma voz a ser articulada em grammelot. Tudo junto! O bom desse exercício é que além de passarmos por todos os personagens da Farsa, podemos “roubar” o que achamos interessante no outro. Essa troca é muito importante também pelo fato de percebermos outros olhares lançados sobre uma mesma figura. Improvisamos com os personagens Aderaldo Catacão, Nevinha e arriscamos uma entrada na Andreza intermediando de cupido de chifres.

Paramos para um breve lanche, afinal, “rapadura é doce mais não é mole, não...”

Na volta, sentamos e conversamos um pouco sobre a peça e sobre os personagens. A Chris trouxe referências de uma atriz que fez o Santo e a Porca, também de Ariano Suassuna, e atentou para a idéia numa só direção que tendemos a ter, num primeiro instante, dos personagens. Fernando complementa essa questão, observando que todas as informações que precisamos, a priori, estão no texto, que devemos conhecer bem o texto, mas ter o cuidado para não nos fecharmos numa ideia ainda.

Passado este momento, a Chris pediu que pegássemos lápis e papel e colocássemos os nomes dos personagens Aderaldo, Andreza, Nevinha, Simão e Clarabela, numa coluna vertical e na horizontal, que bicho esse persongem seria, qual pecado capital ele teria, que objeto ele seria, que comida, que cheiro e qual elemento ele seria. Ao final das respostas, todas num tempo super rápido, fomos destrinchando cada um dos itens das colunas dos personagens. Foi uma zona! Das respostas mais esclarecedoras e interessantes às coisas mais bizarras ditas e defendidas com toda a dignidade do mundo, aconteceram nesse momento de troca de impressões. Destacam-se nas pérolas os pecados capitais secundários (sim, eles existem!) pesquisados pelo Netto que foram o ouro da brincadeira. Brincadeiras à parte, descobrimos ou apontamos possibilidades do que esses personagens poderiam vir a ser e vender e o mais importante, segundo a Chris, era percebermos o elemento que cada um deles representa. Definimos que o Aderaldo é terra, por sua ligação com o terreno, com o material, a Nevinha é água, por sua intermediação com a terra e o ar, que é Simão, o sonhador. Já a Clarabela e Andreza são fogo!

Antes de nos levantarmos, o Fernando fez alguns apontamentos sobre o direcionamento do laboratório de observação que acontecerá amanhã na Feira do Alecrim, aqui em Natal. Um deles é a atenção na prosódia usada na feira na venda dos produtos, além disso, focar em duas figuras e atentar para aspectos físicos referentes à respiração, ao deslocamento, ao olhar, à pulsação e às ações desses vendedores, assim como na estratégia que cada um emprega para atrair a atenção dos clientes.

Assim, fechamos nossos cadernos e levantamos para cantar a primeira música da peça composta pelo Marco França. Oba! Olhos brilharam e bocas se arreganharam para lançar no espaço as palavras que falam sobre “A história do rico que virou pobre/ Que ficou mais rico ainda e foi pro inferno viver ao lado do cão/ E do pobre, do pobre que virou rico/ Que ficou pobre de novo (...)”. Que beleza! A música ficou linda, apesar do canto atravessado e ansioso, dava pra ver nos olhos de todos a alegria de um trabalho que já está começando a rumar para algum lugar...

Para fechar o dia, aqui na casa onde o Ser Tão está hospedado, o maravilhoso cozinheiro Miro, uma figura muito massa, preparou um peixe no molho de cajá e uma sobremesa de banana de lamber os beiços. Assistimos na madruga, eu, Chris e Netto, o documentário de um dos grupos de teatro mais importantes do Brasil, o Grupo Galpão, de Minas Gerais. Que beleza!


Isadora Feitosa

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

É 1O!!

Quinta-feira, 10 de dezembro. Quinto dia de trabalho. Ou seria o quarto, uma vez que o domingão de final de campeonato é sempre um domingo? Bom, já que estávamos todos lá, firmes e fortes (uns, como eu, mais firmes do que fortes) não tem porque negarmos tal dia de trabalho, né? Esse desejo de talvez tirarmos o crédito do domingo se dê para valorizarmos ainda mais a quantidade de coisas já vividas e levantadas até aqui, nesses poucos cinco dias. Ou seriam quatro? Ahhhhhhh!!! Vamos adiante.
Aos poucos, temos encontrado a nossa rotina de início de trabalho. A de hoje foi quebrada por dois motivos: o espaço já havia sido limpo antes, já que hoje foi dia de faxina no Barracão; e recebemos a notícia que finalmente, depois de tantas tentativas sem sucesso, fomos aprovados no edital da Caixa RJ, com o nosso Capitão. O Rio de Janeiro, que até muito pouco tempo esteve tão distante de nós, começa a se revelar como um porto mais familiar. Acho que a Cris Streva trouxe esse molho carioca pra perto da gente.
Comemorações à parte, regidos por essa alegria de notícias boas, hora de nos colocar em movimento. Thardelly, que tem assumido o início dos trabalhos, começou hoje com a “Saudação ao Sol”, já conhecido por todos e recentemente trabalhado por nós dos Clowns numa oficina tão transformadora que tivemos com a Professora Maria Thaís, em São Paulo. Minhas mãos e pés, que suam muito, comumente, me atrapalham bastante na execução deste trabalho. Foi assim também quando fiz pela primeira vez com Adelavane meses atrás. Me irrita um pouco não conseguir fazer por uma bobagem dessas. Ok, respiro...vamos em frente. Em círculo, fizemos um exercício que estimulava o uso de sons vocais aplicados a uma pulsação comum a todos e que envolvia todo o corpo. Depois de muitos atropelos, dúvidas, e até a tentativa de complicarmos ainda mais o que já estava sendo difícil naquele momento, sem esquecer das boas risadas, (pra variar) ficou claro que precisamos ajustar muitas coisinhas que se evidenciam em exercícios aparentemente simples. Precisão, concentração e foco, foram alguns deles. Acho que devemos começar a recorrer a alguns exercícios que fizemos até aqui. É preciso repetir para entendermos no corpo de uma forma mais direta. É interessante também observar a forma como as conduções e os jogos e exercícios propostos têm dialogado entre sim. Sinto que, não só temos falado a mesma língua, como estamos timbrando muito bem entre nós.
Foi a vez do Japa (é assim que normalmente me refiro a Fernando) assumir o trabalho. Fizemos uma sequência de movimentos, que agora não saberei dar o devido crédito. Não sei se veio da biomecânica ou da Yoga, ou até mesmo de uma terceira coisa que agora não me recorde. Mas, conhecemos através da oficina de Máscara Neutra citada agora há pouco, ministrada por Maria Thaís. São movimentos que trabalham as linhas vetoriais do corpo e que são fundamentais para o uso da máscara. E uma vez que temos tido como um referencial fundamental nesse processo o treinamento corporal a partir da técnica da comédia del’arte, esse certamente será um material muito bom de exploração e de trabalho técnico. Depois, divididos em dois grupos, seguimos num outro exercício aplicando o trabalho anterior a uma nova sequência: ouvir, ver e abraçar. O deslocamento pelo espaço se dá através da condução desses três verbos. Com um dedo eu aponto. Logo em seguida eu olho na direção em que apontei e por último, me desloco até esse ponto. Fizemos isso várias vezes. Quando conhecemos esse exercício, executamos sempre ao som de uma música mecânica, um estímulo externo. Fazê-lo hoje, em silêncio, pra mim, que tinha esse referencial, foi diferente. Movido por isso, propus que repetíssemos com alguns voluntários, agora ao som de uma estrutura rítmica constante tocada por mim numa Alfaia. Netto foi o primeiro, que acabou sendo levado pela pulsação externa, transformando o exercício quase numa coreografia. Isadora, a segunda, começou no mesmo registro que Netto, mas aos poucos foi imprimindo a sua pulsação interna necessária para executar seu deslocamento. Ao contrário de Isadora, que na segunda metade do percurso seguiu sem o estímulo externo da Alfaia, Renata iniciou em silêncio, ficando claro o quanto a presença do tambor, da pulsação externa, agora em silêncio, já havia contaminado a noção interna da pulsação. Não existe certo e errado nessas três situações. No entanto, assim reafirmamos mais uma vez que somos nós, o público, que temos que nos emocionar diante do que está sendo apresentado, não o ator/executante. Acredito que o trabalho através da música pode ser um organizador na percepção dessas coisas. Dando continuidade ao trabalho conduzido por Fernando tendo como base a experiência tão recente vivida por nós, Clowns, começamos a seqüência dos sete níveis de energia que se relacionam com o movimento. São eles: Exaustão (máximo de movimento com o mínimo de movimento); Relaxamento (usa-se a imagem do bêbado e/ou do bebê como referência); Economia (a energia suficiente para a realização de um movimento); Atenção (estado de alerta do animal, por exemplo); Decisão; Atitude e finalmente, Hipertensão (máximo de energia com o mínimo de movimento). Passamos gradualmente por esses níveis a partir do comando externo do um ao sete, até voltar ao um novamente. Falando em voltar ao estágio um, o da exaustão, esbaforidos fizemos nossa “santa” pausa.
Alguns bons goles de água, um cafezinho bem forte com um sanduíche que nos mata a saudade de nossa recém temporada em Sampa e um bolo da moça...ai ai ai, o meu preferido, bem quentinhooo!!Ahhhhhh, delícia!!! Não posso dedicar tantas palavras descritivas nesse parágrafo para não parecer que o nosso teatro é só um atalho para comermos em boa companhia, né? E boas companhias é o que não tem faltado nesses dias de trabalho prazerosos. Aproveitamos a pausa para começarmos a organizar o material e o espaço que precisaríamos para fazermos nossos workshops. O japa havia pedido que fizéssemos uma cena individual onde teríamos que pensar num produto para vendermos como comerciantes de rua, feirantes ou camelôs. Enquanto isso, eu esperava Titina chegar com o teclado que eu precisaria para fazer a minha cena.
Netto, com sua disponibilidade e ansiedade positivas, mais uma vez foi o primeiro a abrir os trabalhos. Com um portunhol divertidamente safado, encarnou um falso vidente que, através das cartas lia o futuro das pessoas. Isadora trouxe na sua vendedora o registro vocal e corporal da personagem Clarabela, explorado por ela em uma das leituras que fizemos coletivamente. Vendia itens de beleza com apelos sensacionalistas, fazendo referências a curas milagrosas através desses produtos. Renata, que também fez uma vendedora de cremes e cosméticos para homens e mulheres, optou em personalizar seus produtos com colagens bem toscas de fotos de celebridades recortadas de revistas de “futilidade pública”. Ela prometia deixar os clientes quase como um clone da celebridade referente ao creme usado. Picaretagem total! Suellen, muniu-se de uma calcinha única, caríssima mas com origem na Índia e que seria capaz de apaixonar qualquer homem que tivesse o prazer de ver alguma mulher usando-a. Vestindo um avental, com um timbre vocal interessante, Camille propôs quase uma bruxa que vendia velas bentas pelo padre, hora bentas pelo Papa Bento XVI. Mas o produto especial prometido por ela, uma vela mágica para embarcar sogras malditas teve pouco impacto diante de suas palavras. É importante destacar a participação constante de nós, público, sobretudo do Thardelly, um escada permanente que propôs muito nesse jogo com os vendedores que estavam em cena. Acompanhada de um ajudante imaginário, Lulu, uma força sobrenatural que se comunicava quase tomando conta de seu corpo, Maysa vendeu, ou melhor, deu para nós as velas dos sete pecados capitais. Relacionando-se diretamente com características entre um pecado capital e um de nós, ela apresentou uma cena muito divertida, digo, ela e Lulu, claro. César vestindo um figurino (que ele disse ser dele, o que faz disso suspeitoso)...bom, voltando, tenho que admitir, o amigo “pequeno” trouxe uma proposta muito bacana e, literalmente dos pés à cabeça e com direito a óculos, chapéu e corrente de prata. Brinque! Trazendo a ideia de criar a expectativa no público antes de revelar seu produto, ele compôs um tipo muito interessante com ações físicas que se repetiam juntamente a um quase jargão, “moderno”. Ao revelar os seus cordéis, foi quem primeiro teve uma abordagem mais direta conosco no que se diz respeito a vender o seu produto. O homem-da-cobra, figura que vimos num vídeo trazido por Netto há dias atrás, apareceu na cena de Thardelly. Usando uma cobra feita de pano retorcido e um banquinho indígena em formato de sapo que muito já nos serviu pra tantas coisas antes, esse homem-da-cobra-pastor-picareta (ops! Há alguma redundância aqui, não?) vendia pão da Santa Ceia, água que batizou Jesus, fumaça da anunciação do Papa e até a maçã com mordida de Adão e Eva. Tudo isso com ações físicas e palavras repetidas, o que é ótimo para a comédia, linguagem que popular que estamos estudando nesse processo e que tanto tem a ver com a comédia del’arte. Eu, que fiquei por último enquanto aguardava Titina chegar com o teclado, vestido com um paletó, camisa quadriculada e um chapéu Panamá usado por Cesar no falecido Roda Chico, relembrei os velhos tempos de “tocador de teclado de recepção”. Optei por um tipo meio locutor de lojas de varejo, facilmente encontrado nas lojas do centro da cidade e que com uma voz muito canastrona, cantando “Fogo e Paixão”, de Wando, vendia calcinhas de todos os tamanhos. Os textos de venda eram ditos nos intervalos entre uma frase e outra da música, tocada e cantada muitas vezes erradas. Bom, a ideia era ótima...se vocês tivessem visto como era na minha cabeça...putz! Incrível! Ai ai...
Passado esse momento que rendeu muitas risadas a todos, fizemos um fechamento avaliando o trabalho de hoje. Cris começou falando, uma vez que ontem ela saiu do Barracão com a cabeça a mil e depois de ter dito poucas palavras. Muito inspirada com as imagens que começam a povoar nosso imaginário, seja através dos livros ou até mesmo das coisas que vamos falando e alimentando nosso juízo (se é que ainda nos resta um) como por exemplo, a dos sobreviventes de hoje e aqueles dos mercados medievais. Cito aqui algumas palavras e frases ligadas ao trabalho de hoje de uma forma mais geral e dos workshops realizados por nós.
· O produto que está sendo vendido deve ter uma relação com a peça ou não?
· Os elementos que compõem os exercícios podem ser divididos em três partes para facilitar nossa análise de compreensão: o tipo (personagem), a ideia/produto e a forma de abordar esse produto (venda).
· Na grande maioria, a forma de abordar o produto dependeu muito da palavra
· A repetição de palavras e gestos está muito ligada aos aspectos da comédia
· Esquecemos de algo fundamental: é preciso vender de verdade!!! Esses camelôs sobrevivem da venda!
· Os múltiplos olhares que começamos a propor através do caminho que optamos é muito contemporâneo
· Não podemos perder o GROTESCO de vista

Depois de negociarmos muito tranquilamente uma santa folga no domingo, de anotarmos as tarefas de casa para segunda, finalmente brindamos com Champagne francês fabricado em Pernambuco e comprado na padaria da esquina, bebidos em chiques copos de plástico ao som de um quase inexistente “pec-pec” (plástico com plástico) ao trabalho, às conquistas e às parcerias felizes. Por hoje chega. Afinal, apesar de encerramos o dia uma hora antes, nós dos Clowns seguimos adiante com a segunda parte de nossa longa reunião administrativa de fim de ano. Ui! Coragem, é preciso camaradas!
Hasta la vista!

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Avançar e Escutar

Hoje, dia 09 de Dezembro, exatamente quarta-feira. Uma tarde ensolarada em Natal, especificamente 14h, os grupos Clowns de Shakespeare e Ser Tão Teatro se encontram no Barracão dos Clowns para o quarto dia de trabalho.

E as palavras do dia foram: AVANÇAR e ESCUTAR

Aiiii, quanto trabalho!

Começamos limpando o espaço, um ritual já inserido nos Clowns e definitivamente muito significante para um início do trabalho. Em seguida todos no tablado preparando os corpinhos com alongamento individual para o aquecimento com Thardelly, no qual foi importante para acordar o corpo, manter ele em estado de alerta para os próximos exercícios. Depois quem nos pegou foi a Chris, que ligou o aquecimento do Thardelly com o seu trabalho na formação de imagens com a introversão e extroversão. Ressaltando que todos os exercícios buscam sempre a relação com o espaço e com o outro. Juntamente com isso fizemos um trabalho que uma parte do corpo direcionava o andar, o que é muito interessante, pois mostra além das possibilidades do simples caminhar que conhecemos. Todos esses pontos no trabalho conduzido pela Chris levaram para o desenvolvimento corporal dos personagens Clarabela e Joaquim Simão. Mas, não era uma criação simples, e sim, usando uma parte do corpo extrovertida e introvertida, pensando em todas as características que já levantamos nesses dias de trabalho. Com o corpo, veio também à voz e depois um objeto para que pudesse ser utilizado de várias maneiras possíveis. Fizemos o corpo do personagem e depois a projeção da parte do corpo daquela personagem e também a oposição dessa projeção. Cada um criou uma Clarabela e um Joaquim Simão com sua particularidade, ainda mais com o manuseio de um objeto imaginário, e cada um mais estranho que o outro nas suas funcionalidades.

Tínhamos várias Clarabelas e Joaquim Simãos, e partimos para a improvisação, primeiro andando pelo espaço e ao comando da Chris existia o encontro dos dois personagens, não necessariamente o casal, utilizando do grammelot e do corpo. Passamos depois para a divisão das Clarabelas e dos Joaquim Simãos, as damas para um lado do espaço e os cavalheiros do outro, e o jogo foi o seguinte, o encontro de um Joaquim Simão com uma Clarabela, mas esse encontro se firmava por um olhar, na qual se concretizava quando se ia para o centro e começava a improvisação apenas com o corpo e grammelot e depois o grammelot trocado pela voz. Este exercício para mim é interessante, pois você pode sentir e passar por todos os corpos dos personagens e desenvolver as formas de relação com eles a partir da criação corporal.
O próximo trabalho do dia, também com a Chris foi a criação de imagens, a formação de um quadro, aonde cada um vai preenchendo aquela imagem-situação. O Gestalt: “imagens sobrepostas”, que é a capacidade de visualização dos acontecimentos das cenas a partir de imagens arquetípicas. Trabalhamos então o primeiro ato, criando as imagens que simbolizavam para nós aquela cena, e após improvisávamos daquela imagem de forma ainda muito solta o que acontecia na cena. Nesse exercício existiram coisas que funcionaram e outras que não, podendo enxergar também como está a nossa compreensão do texto. Nesse trabalho Fernando notou que sempre a montagem das imagens estava sendo formada muito numa linha linear frontal, então com a relação à rua é necessário soltar esses corpos no espaço e deixar um pouco a timidez de lado.

O próximo a tomar conta de nós foi o Marco, e já começamos a cantar um cânone “Donna Nobis”, trabalhando a escuta e sempre buscando o timbre desse grupo que está trabalhando junto pela primeira vez. Depois foi para o exercício de pulso, dividindo o tempo em 4, 3 e 2 tempos, assim: fazendo dois quadrados e batendo palma sempre no primeiro, depois fazendo também dois triângulos e batendo palma no primeiro e pra finalizar bonito, fazendo linha e também batendo a mão no primeiro. Foi feito três grupos com três pessoas, onde iniciamos juntos, mas depois fizemos um cânone com a divisão do tempo, e quando nos sentimos seguros, cada um teve espaço de ir ao meio e improvisar livremente com sons dentro daquela pulsação, e lembrando sempre o olhar para fora e os ouvidos mais que abertos. Voltamos para a nossa pulsação divida nesses três tempos, fazendo os quadrados, triângulos e linhas e ainda cantando a “Donna Nobis”, foi lindo!

Em seguida fomos cantar nosso baião “Eu vou mostrar pra você, vou...” com toda nossa disposição, ouvidos, olhos e boca, nunca esquecendo que também tem que mostrar os dentes, isto é, A R T I C U L A R. Aqui eu já estava mesmo sem ar, não sabia mais onde tirar ar para cantar, a verdade é, o Ser Tão em relação a musica ainda tem um caminho bem longo para percorrer, mas ainda bem que surgiu o Santo Marco em nossas vidas.

E partimos para mostrar nossas musiquinhas do texto do Joaquim Simão “Oh mulher, traz meu lençol que estou no banco deitado.” Cada um mostrou a sua, muitas engraçadas, forrozinho, xotizinho, reggae, e umas que eu também não sei dizer o que é, mas eu vi que temos bastante criatividade. É muito boa a música dentro do processo, principalmente que são dois grupos diferentes trabalhando e buscando uma única voz e com o mesmo objetivo. Para a mim a música tem esse papel de trazer esse laço mais forte, integrar todos, colocar todos na mesma altura, volume e pulsação.

E lógico, depois passamos para o texto, pois tem um texto para montar, Fernando conduziu a leitura do primeiro ato, já com os cortes e sempre nós, atores, buscando explorar as possibilidades vocais paras as personagens. Lemos no tablado andando todo o primeiro ato, depois passamos para um exercício mais especifico que foi a leitura do prólogo. Como o prólogo é constituído por três personagens, foram divididos três grupos para a leitura. Já na cabeça as indicações dos camelôs, dos vendedores de feira e de convencer as pessoas que sua visão é a que está certa. Foi feito a primeira leitura, que foi percebida que o texto estava sendo jogado e não estavam claras as palavras, não havendo então a compreensão daqueles que assistem, então, tivemos as indicações de prestar mais atenção naquilo que estava lendo, mais articulação e o mais importante estamos lendo para as pessoas no meio da RUA. A segunda rodada de leitura dos grupos já foi muito melhor, e na ultima rodado o Marco fez intervenção musical no texto o que ajudou muito na visualização das imagens das palavras que estavam sendo lidas. Este trabalho é maravilhoso, não tem nada melhor do que ler e fazer um texto que você tem mesmo a compreensão daquilo que você quer falar para o outro.

E assim, acabou mais um dia de trabalho intenso, gostoso e produtivo.

E que venha amanhã, depois de amanhã, e assim sem fim...

Evoé!

Suellen Brito

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Terceiro dia

Terça-feira, terceiro dia de trabalho. Renata Mora e Augusta retornaram para JP dando continuidade a produção por lá. Nós iniciamos indo direto ao tablado. Limpamos e em seguida cada um foi alongando individualmente. Chris conduziu energicamente este momento. Partindo do rosto, descendo pelo corpo até tomá-lo por completo, fomos trabalhando a introversão e a extroversão, onde variava as partes em extro e intro a partir do comando de um toque no pandeiro. A cada batida, alternava-se o movimento, sem esquecer a relação com o espaço e com as pessoas. Pensando sempre que o movimento parte da coluna.
Voltando a caminhar livremente, sempre pisando com o calcanhar, passou-se o comando de que na batida, deve-se estabelecer relação com um parceiro onde o jogo é um estar extrovertido e o outro introvertido. Zerava o movimento, caminhava e a partir de outra batida estabelecia-se uma nova relação. Chris chamou nossa atenção para uma proposição feita pelo Neto e Thardelly, onde podíamos observar corpos estabelecendo conflito a partir do jogo da intro e extroversão.
O jogo agora é: imaginem um objeto. Com este objeto cada um foi brincando, mostrando para os outros. No comando, cada um encontra um parceiro e mostra o seu objeto, tenta seduzi-lo, vender. E sentindo-se atraído pelo novo, fazia-se a troca. Fizemos umas três trocas. Comecei com um leque e terminei com um chiclete e vi as bolinhas de malabarismo que peguei no meio da história transformando-se em um sutiã. Agora cada um ia ao centro da roda e tentava vender o seu, dando uma de vendedor mesmo. Vendedor de rua, de feira.
Chris coloca uma caixa no centro e nos estimula a querer vender o que está ali como algo maravilhoso em que não se pode perder a oportunidade da compra. Em seguida ela joga pra situação uns lençóis, como elementos para nos ajudar na improvisação e inclusive comenta depois que sente falta de elementos para brincar e nos pede para trazer objetos.
A improvisação ruma para uma grande feira onde todos estão vendendo algo que leve ao espetáculo que será encenado naquele local. Por muitas vezes o caos foi grande, faltou nos escutarmos mais, perceber as proposições. Mas surgiam momentos interessantes de fazer e acho de se ver também. É muito bom sentir a energia de Chris puxando o trabalho.

Na pausa para água vimos um pequeno vídeo do youtube do homem da cobra. Um feirante que trás em três caixas, cobras. E fica mostrando as cobras para todos, atraindo a sua atenção, mas que na verdade ele ta ali pra vender pomadas. As cobras são iscas para atiçar a curiosidade do ser humano.
Fernando aproveita o momento e nos pede uma tarefa para quinta-feira: fazer uma cena de um vendedor de feira vendendo coisas convencionais ou abstratas. Pensar em que figura é essa, no que ele vende, como vende, a estrutura em que carrega os produtos.
Voltamos pra mesa e Fernando faz uma breve leitura do livro O ator invisível de Yoshi Oida, sobre a limpeza do espaço, para que todos tenham o entendimento da limpeza inicial que realizamos todos os dias. Tivemos informalmente mais uma aula da Chris, onde ela pontua diversas questões do trabalho do ator a partir do exercício que fizemos. Nos mostra figuras de um livro sobre a Commedia dell’arte em inglês, onde em uma feira medieval vemos corpos com movimentos em intro e extroversão. Nos fala da consciência do corpo, do movimento vir da coluna e das ancas (quadril), de estar em desequilíbrio e atento para o outro. Cita a biomecânica como ferramenta de pesquisa, onde se estuda o movimento a partir dos animais. Onde a ação física é uma das partes de que o ator deve estudar.
Chris fala que estamos no momento de experimentar, se integrar, onde tudo pode ser feito e jogado fora sem pudor. E que depois partiremos para o momento do pensamento concreto, o definido.
Ela pontua que no exercício todos jogaram bem com o corpo, porém na hora em que a palavra entrou, o corpo parou. Eis um desafio: manter este corpo vivo, interessante e comunicativo, mesmo quando o verbo existir.
O que importa é o que estes vendedores estão fazendo e não sentindo.
Cita o uso da máscara neutra e meia máscara, onde falamos um pouco da experiência com Maria Taís.
Finaliza este momento pedindo para que cada um traga um objeto para amanhã e Fernando propõe que seja parte da cena do dia seguinte.

É dado um breve intervalo para um lanche, onde alguns aproveitam para brincar com alguns instrumentos: Marco e Neto com a sanfona e violão. César com as meninas do Sertão compartilha a sua sanfona.
De volta ao tablado, Marco agora conduz o trabalho. Distribui pelo espaço diversos instrumentos e pede para que caminhemos observando os objetos com o cuidado para não pisar neles. Buscar a relação com o espaço, com os objetos, com as pessoas. E nessa caminhada ir sentindo o som de cada objeto sem tocá-lo. Em seguida Marco ia conduzindo executando e não mais verbalizando o comando. Começou-se a fazer no corpo o som que supostamente imaginamos que aquele instrumento faz e a movimentar-se como ele. Naturalmente o gromelô foi surgindo, vindo inicialmente dos atores do Sertão (percebo que é uma prática mais trabalhada neles do que nos atores dos Clowns), porém todos na medida do jogo foram participando.
Percebi meu corpo modificado, as vezes ao ponto de doer. A extroversão, introversão, o jogar em duplas, o jogo de ouvir. Por muitas vezes a ansiedade tomou conta da situação e o jogo não acontecia.
Avaliando, devemos pensar mais em ouvir do que falar, perceber o todo. Não perder o foco da escuta. Este foi um primeiro exercício de aproximação aos instrumentos musicais. Exercício que chamamos de Balai, criado no processo de montagem do Capitão. Nesse caso em que Marco além de ser o condutor enquanto diretor musical ele é também ator do processo, é percebe-se o quanto é tênue este equilíbrio.
É perceptível como as informações dadas e trabalhadas durante todo o dia vão se somando para cada ator e sendo expostas nas suas proposições. O grupo começa a ganhar uniformidade.
No final Marco pede um dever de casa para o dia seguinte: trazer uma proposta melódica para a frase do Simão – “O mulher traz um lençol que eu estou no banco deitado”.
Para finalizar fizemos uma leitura do primeiro ato com cortes propostos por Fernando. Ele nos pede que nessa leitura foquemos na questão da prosódia, atentar para possíveis falas que sentimos falta, que comprometem o entendimento do texto ou que ainda devam ser cortadas.
Em uma breve avaliação, todos demonstram que os cortes sugeridos estão mantendo o entendimento e que reduziu bem o texto.
Texto “novo” pra ser lido e trabalhado em casa por todos. Mais um dia é finalizado com muito trabalho e principalmente disposição.

Renata Kaiser.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

2° DIA - Barracão dos Clowns



Na primeira parte do dia, às 14h30min fizemos uma primeira leitura já buscando um despojamento, uma entonação, ênfase, intensidade, curvas melódicas, articulação. Apenas como exercício, nada definido. Revezamos os personagens e passo a passo fomos nomeando cenas para determinar o movimento de ação ou, o que aquela determinada cena almeja contar, para identificá-las com mais agilidade quando preciso for. Assim, o texto vai ganhando referências interpretativas, se estruturando. Durante a leitura ouvimos um microfone meio distorcido anunciando um produto, para tudo! Correm todos para rua, era o cara do picolé em sua bicicleta, um camelô ambulante, vê-lo já serviu de estimulo para idéias outras.Voltamos à mesa e finalizamos a nomeação das cenas do primeiro ato.

Em respeito ao autor da “Farsa da boa preguiça”, Ariano Suassuna, nada de coffee break, foi sim, uma paradinha pra tomar um cafezinho danado de bom!

Na segunda parte do dia, já por volta das 18h00min, Marco iniciou o trabalho vocal. Já como preparação, fizemos um aquecimento direcionado, onde a atenção redobrada atrelado ao dar e receber, manteria o fluxo da pulsação coletiva.

Depois buscamos, caminhando pela sala, um ritmo individual, em seguida teríamos que localizar em outro colega um ritmo semelhante e se adequar a ele, sendo um só. Naturalmente identificamos dois grupos, com ritmos iguais e subdivisões de tempo diferentes, mas sempre no mesmo andamento.

Executamos o exercício da contagem regressiva de 10, onde sempre batíamos palma no número 1 e na repetição iamos regredindo também os números. No inicio, a contagem foi feita em voz alta e, com o tempo, ela foi sendo internalizada, e ainda com comandos de “parou!”, continuávamos fazendo a contagem parados, mantendo a pulsação interna e voltando no comando de “andou”!

Ao piano, Marco ressaltou que devemos sempre exercitar a escuta, e que não deve ser uma disputa, mas um complemento de vozes, de encaixes, de agrupamentos. Marco nos passou dois trechos de musica, dividiu homens e mulheres e, com o violão, dedilhou a melodia. Começamos parados, nos escutando, equalizando até que, livremente, dançamos pela sala, trocando energia, olhares e risos.

(Canção) “Vento, venta mar que urra não urraiá meu bem querer, atrás de mim não vem gente oh meu Deus, quem é que tanto me empurra?”

A lição mais importante instigada por Marco foi a de perceber, a de ouvir-se e ouvir o outro. Eu me escuto e conseqüentemente escuto os outros, procurando uma mesma sintonia, uma só voz!


            “Um texto é antes de mais nada uma respiração”
                                                                        (Jouvet)

No encerramento da noite, na avaliação, colocamos nossas impressões do trabalho unanimente produtivas. Fernando advertiu que, em se tratando de um autor nordestino, texto nordestino e por sermos nordestinos, precisamos ter o cuidado de como lhe dar com essa situação, de como fazer sem reforçar o que já somos, e não correr o risco de virarmos sulistas falando oxentcXé!

  Thardelly Lima, Natal, 08/12/2009







domingo, 6 de dezembro de 2009

Ponta Pé !!!

Como responsável pelo relato do primeiro dia inicio assolado pela dúvida: Como proceder? Faço um relato técnico, pragmático e objetivo, ou dou margem as minhas questões, escancarando a pessoalidade do olhar sobre aquilo que relato? Depois de uma breve reflexão concluo que a ponderação deve ser buscada. Acho que um meio termo é a decisão mais prudente. Então, ao relato.

Cheguei cedo, uns quinze minutos antes. Estava temeroso em ser o primeiro porque estava sem as chaves da sede. Felizmente vejo a porta aberta e a moto de Cuca, que possivelmente irá fotografar esse processo que se inicia. Além de Cuca encontro Arlindo, nosso secretário, Rafael e Camille. Faço as devidas saudações e vou para o escritório checar meus e-mails. Pelo vidro da sala/aquário vejo alguns dos integrantes do Ser Tão chegando. Fecho o navegador e vou saudá-los. Nessa leva chegaram Chris, que junto com Fernando será minha diretora nesse processo, Suellen, Isadora, Maisa, Augusta e Thardelly. Sentamos a mesa para colocar a conversa em dia. Logo depois chegam Fernando, Marco e Renata.

Com quase todos reunidos pela primeira vez uma excitação toma conta do espaço e demoramos um pouco até controlar os ânimos e sentarmos todos à mesa. Como se não bastasse uma televisão é providenciada para que se acompanhar os momentos finais da decisão do campeonato brasileiro: Flamengo e Grêmio. Marco e Thardelly vão para frente da TV enquanto Chris abre os trabalhos tratando de questões relacionadas à produção. Ela faz uma breve explanação sobre as dificuldades de compor a planilha e formaliza uma proposta de trabalho para Cuca e Rafael. Cuca é convidado a fazer a cobertura fotográfica do processo e da circulação nas vinte e uma cidades do nordeste por onde devemos circular. Cuca topa e fecha com o projeto apesar de deixar alguns detalhes para serem resolvidos depois. Chegada à vez de Rafael ele escuta atento a proposta que é feita, mas alega que o projeto se estenderá por um tempo demasiado e por isso precisa de um tempo para poder se pronunciar com sensatez. Nesse meio tempo o Flamengo é campeão brasileiro.

Enquanto o Flamengo se consagrava chegaram os últimos participantes. Renata Mora, produtora, e Neto. Esse último ainda ofegante e de mala na mão. Agora com todos à mesa, os ânimos menos eufóricos, começamos a tratar objetivamente do desafio que temos pela frente: Montar a Farsa da Boa Preguiça, do mestre Ariano Suassuna, com um elenco misto formado pelos integrantes do grupo Ser Tão Teatro de João Pessoa e dos Clowns de Shakespeare de Natal, no prazo de três meses. A direção também será compartilhada pelos diretores dos dois grupos, Chris Streva e Fernando Yamamoto. Chris começa transferindo oficialmente a produção para Renata Mora, depois coloca à mesa todas as suas impressões momentâneas sobre o que a devir. Ressalta que seu interesse maior não é no texto, mas sim no processo e no trabalho do ator. Fala de algumas idéias que tem para a montagem como a questão dos deuses e demônios serem as mesmas pessoas e de entender que tratar dos vícios do homem pode ser uma boa porta de entrada para a abordagem do texto. Também propõe que o Manual Mínimo do Ator, de Dário Fo, seja um norteador para o nosso trabalho.

Fernando fala em seguida após a alegação de Chris que só ela tinha posto as cartas na mesa. O diretor Clownianiano fala dos seus desejos e impressões e rememora André Carrera com sua proposta de intervenção na silhueta urbana. Diante disso já propõe uma estrutura que nos transforme em camelôs, assim como o texto sugere, e que daí possamos articular nossa estrutura técnica e cenográfica, como por exemplo equipamentos de som de uma boca, desses com que passam na rua vendendo picolés, pamonhas, entre outras coisas (traga a vasilha!!!). Por último, Fernando ressalta os paradoxos que deverão permear o trabalho: pressa e calma. Dois grupos que nunca trabalharam juntos, numa proposta desafiadora e pioneira de montar um espetáculo em um curto período de tempo, para isso era preciso pressa e calma, simultaneamente. Fernando e Chris, ambos, lembraram que este será um desafio histórico para o teatro nordestino que poderá apontar novos formatos de troca, parceria. Finalizando sua fala de abertura Fernando fala da necessidade do registro e Chris lembra que o blog para receber os relatos está sendo providenciado. Define-se então que cada um deverá ficar responsável por relatar um dia desta primeira etapa. Eu fico com o primeiro dia e a lista que segue é a seguinte: dia 07 Thardelly, 08 Renata Kaiser, 09 Suellen, 10 Marco, 11 Isadora, 12 Camille, 13 Maisa, 14, Fernando, 15 Neto, 16 Chris. Ficam faltando ainda 4 dias para chegar até o dia 20 de dezembro, nesse meio tempo esperamos que alguém crie vergonha na cara e peça voluntariamente para relatar os dias restantes.

O elenco, mesmo provocado, se manifesta timidamente. Ficamos mais no campo das dúvidas e esclarecimentos. Sem muita conversa e com o silêncio que ameaça se instaurar seguimos para o tablado para termos nosso primeiro momento em sala de trabalho. Como é um costume nosso, dos Clowns, com panos e baldes na mão fizemos a limpeza do espaço. Depois Thardelly assumiu os trabalhos e propôs um exercício onde ficamos dispostos em círculo e um que era escolhido para iniciar pedia permissão a uma segunda pessoa. Dada a permissão o primeiro caminhava até o lugar do segundo. O segundo, antes que o primeiro chegasse até ele, deveria obter a permissão de um terceiro e caminhar até ele, e assim sucessivamente. Essa comunicação de permissão e autorização era feita apenas com um discreto movimento de cabeça.

Marco toma do coletivo agora e coloca para o grupo um exercício que aprendemos com Dagoberto do Folias (SP). A partir de uma melodia simples ele finaliza uma seqüência musical com três palavras onde o coletivo deve responder com palavras que são convencionadas como opostas. Por exemplo: se ele diz sol, sol, sol, devemos falar lua, lua, lua. Se ele fala sim, não, sim, devemos responder, não, sim, não. Mais adiante, misturas são feitas, o que vem a dificultar o exercício: sol, quente, bota, e o coletivo responde, lua, fria, tira.

Thardelly volta a assumir o grupo e propõe uma dinâmica onde todos caminham pela sala e ele segura uma sandália em uma das mão. Ele então ordena que parem: todos param. Ele diz foco e todos olham para a sandália. Repulsa, ele fala, e todos repulsam o objeto sem sair do lugar. A repulsa deve ser externada com toda a estrutura corporal. Depois desejo, da mesma forma. Por último ele diz “pega!”, e aquele que primeiro pegar a sandália passa a dar os comandos.

Ainda com Thardelly fizemos um jogo de pega-pega onde todos só podiam correr de joelhos colados. Um era destacado para ser o pegador. Os demais fugiam e, se fossem pegos, ficavam congelados. Se alguém passasse por baixo das pernas de um “congelado” esse seria salvo. Se dois se abraçassem não poderiam ser pegos. Fizemos uma rodada dessa brincadeira. Na segunda e última rodada Thardelly deu um jeito de nos fazer crer que todos éramos pegadores. Foi uma bagunça só.

Por fim, o Ser Tão nos apresentou um trabalho que eles estavam desenvolvendo para a criação de matrizes a partir da fusão da partitura corporal de dois bichos. Suellen, Maisa e Isadora fizeram uma demonstração. Suellen foi mais além e mostrou um monólogo que ela estava desenvolvendo a partir da composição de sua matriz. A partir dessa demonstração e da apresentação do trabalho de Suelem, que utilizou também texto e técnicas de Dário Fo, Chris pôde fazer algumas ponderações e comentários sobre caminhos e desdobramentos que poderíamos utilizar para a feitura do nosso espetáculo.

Esse foi o primeiro dia de um processo que ainda não sabemos como e quando irá findar. Merda a todos.

Feliz por ser um participe desse grupo plural.